Nasci de mãe Tanhabuá no tempo das grandes águas, onde ainda podíamos escutar o falar da águia e o vento conversar com as nuvens. Meu pai foi morto quando eu ainda era curumim, tenho pouca lembrança dele, mãe Tanhabuá sempre diz que foi um guerreiro honrado pelo deus Sol, o Grande Espírito que corre pela face dos rios.
Mas tenho viva em minha memória algo que meu pai, Grande Guerreiro Raiantunin, sempre me ensinou, a nunca esquecer quem eu sou e de onde venho. A história que segue, aconteceu já faz muitas luas, é a história de meu povo, de um povo que não se curvou para a tirania, e é meu dever manter a memória dos Grandes Guerreiros viva entre meu povo.
Eu sou Oimbaré, e essa é a história que virou lenda, a Lenda dos Guerreiros Xavantes.
Nessa época a aldeia passava por período de fartura, abençoada por grande deus Sol, a Natureza era nossa irmã, e nos maravilhava com raios de sol todas as manhãs e pedia as nuvens para que derramasse das suas lágrimas que alimentavam nossas plantações.
Os Xavantes sempre foram conhecidos por sua bravura e destreza de guerra, eu tinha a altura de um arbusto de oiticica, era muito jovem, ainda brincava com os arcos de bambu feitos por meu pai.
Éramos liderados por Cacique Pacunum, antes de grande guerreiro era grande homem, até o lobo calava seu uivo mesmo em noites de lua cheia, quando Pacunum chamava os curumins para os ensinar.
Mas homem branco, movido pela cobiça, cegado pela cor de papel que eles chamam dinheiro, certo dia desembarcou em nossa terra. Chegaram como onças a espreita de carne, em silêncio, mas víasse no olhar a real intenção, a boca pode mentir mas olhar é revelador, não mente.
Invadiram nossa aldeia ainda quando a coruja, a sentinela das arvores, repousava. Suas armas, novas para meu povo, cuspiam a morte de nossos homens e mulheres.
Meu povo lutou bravamente, reagindo a ação do homem branco, que não respeita nem mãe Natureza, se dizendo dono de algo que já existia muito antes de seus antepassados.
Cacique Pacunum ordenou que todas as mulheres, crianças e velhos subissem a grande colina para se proteger. Mãe Tanhanbuá conta que meu pai se foi da terra dos Xavantes tentando me proteger das armas do mal de homem branco. Grande Guerreiro Raiantunin fechou os olhos que enxergamos esta vida e os abriu novamente para a eternidade junto aos Grandes Espíritos de nossos antepassados.
Os Guerreiros Xavantes ainda resistiram por longos dias, mas ganância de homem branco não tinha limites e chegou o dia que a lança do último guerreiro Xavante caiu.
Cacique Pacunum, um dos poucos sobreviventes foi capturado e torturado para que contasse os ficavam as grandes riquezas da floresta.
Eu estava na colina com os outros, mas pude ver os últimos momentos de Pacunum, tenho vivo também em minha memória, suas últimas palavras que diziam que homem branco ainda não entendeu a grande riqueza da natureza, que nos presenteava todos os dias com a terra para plantar, o ar para respirar e as águas para a criação da vida! Se homem branco não entende que a riqueza da natureza sempre esteve com ele, não é merecedor de compartilhar.
Dito isto, Pacunum foi amarrado a uma mangueira e num golpe de machado cortaram-lhe a cabeça. Sua cabeça caiu ao chão ainda com os olhos abertos.
Neste momento os pássaros se calaram e o vento parou de soar, só se ouvia o canto do uirapuru, que é o mensageiro da morte na floresta.
Os bárbaros brancos saíram arrastando o corpo de Pacunum e os demais guerreiros pela mata até sua embarcação, como se fosse um troféu macabro. O sangue dos Guerreiros Xavantes marcou na terra por todo o caminho feito por eles.
Mas a mãe Natureza abençoa e também pune com severidade aqueles que a desrespeitam. Na distância de cem braças da costa, já quando os bárbaros haviam entrado nas embarcações e os corpos dos guerreiros jaziam sob o assoalho do navio, uns por cima dos outros, mãe Natureza contou ao deus Sol o que aconteceu, deus Sol se encheu de fúria e ordenou as nuvens que chovessem como nunca choveram, ordenou ao marque se agitasse e debatesse a embarcação dos bárbaros, como alguém que mastiga pra depois engolir. Em pouco tempo a embarcação estava reduzida a pedaços de madeira boiando sob o sal do mar.
Todos os bárbaros foram devolvidos a praia, já sem vida, nenhum Guerreiro Xavante foi encontrado. A Natureza guarda para si aqueles que são seus.
Até hoje, a terra por onde passaram os Grandes Guerreiros Xavantes é vermelha, vermelha da cor da vida, vermelha da cor do sangue dos Guerreiros Xavantes, e salgada, salgada pelo suor de homens valentes que defenderam um ideal.
Os antigos me falaram algumas vezes que aos guerreiros que morriam de olhos abertos, lhes era concedido o privilégio de ver o caminho que conduzia até a morada dos Grandes Espíritos, em recompensa por terem olhado a morte nos olhos.
Meu povo acredita que os Grandes Espíritos quando fecham os olhos para esta vida, o deus Sol lhes concede a dádiva de retornarem a terra na forma de algum ser. Eu acredito que cada árvore que nasceu naquele bosque por onde os corpos dos guerreiros passaram são na realidade os espíritos dos que se foram zelando pela tribo.
Essa é a lenda dos Guerreiros Xavantes, que demonstrou que somos nós que pertencemos a Natureza e que coragem não significa ausência do medo, mas sim fazer o que se deve fazer.
Eu sou Oimbaré, cacique da Grande Tribo dos Guerreiros Xavantes.
PATRULHA XAVANTE